21
Dez 10

Dia 12, 11 horas:

Os raios de sol entravam pelo quarto a dentro, ainda estávamos na cama deitados mas acordados. Estava virada para David. Este, fazia-me pequenas festas na cara e eu brincava com os seus caracóis.
-Achas que eles vão nascer com os caracóis?
-Achas que eles vão ter olhos verdes?
-Desde que sejam parecidos ao pai.
-E parecidos à mãe.
-Claro. Preciso de comer, estou cheia de fome. Quer dizer, eu e os dois bichinhos que tenho dentro de mim.
-Eu vou pedir um daqueles pequenos almoços com tudo.
-Faz isso meu anjo, eu vou tomar um banho. Já venho.
David levantou-se e agarrou o telemóvel. Ouvi as primeiras palavras dele em Inglês mas quando pus a água a correr deixei de o ouvir. A casa de banho tinha uma banheira e um chuveiro, o chuveiro fazia três ou quatro nossos. Já para não falar que parecia a água caia do tecto. Algo luxuoso, parecia que estava a tomar banho numa cascata. Sai do duche e o David estava a receber alguma coisa à porta, devia de ser um empregado do Hotel com a comida.
-David! O que é isso?
-É o pequeno-almoço.
-David, isso é tudo menos um pequeno-almoço.
-Eu pedi um pequeno-almoço e o cara disse “Romantic?” e eu respondi “yeah, yeah” numa esperança que ele pare-se de falar o inglês dele que ainda era pior do que o meu e depois ele disse-me que já trazia e olha… Saiu isto.
O pequeno-almoço era enorme, tinha queques, uns bolos de chocolate, pão, fiambre e alguns salames, até tomate tinha. Era uma mesa cheia de coisas.
-Meu Deus, isto é o pequeno-almoço para os quatro dias?
-Não, só para hoje. Eu já dou volta a isto tudo. Mas antes, sabe porque é romântico?
-Não…
-Fecha os olhos.
Fechei os olhos e senti a mão de David no meu ombro molhado. A mão subiu até à minha cara e deu-me um pequeno beijo.
-Abre os olhos – sussurrou ao meu ouvido. Quando abri vi uma rosa vermelha linda e o David a sorrir, não me importei muito com a rosa mas mais com o sorriso do David que era das coisas mais maravilhosas do mundo. – Eu amo você.
-Também te amo David, muito. – Agarrei na rosa e acabamos por dar um beijo. David sentou-se a meu lado e comemos o grande pequeno-almoço.

 

Praga, Veneza e no final o bom do Algarve. Conhecia-me bem e sabia que não trocava o Algarve por nada mesmo assim, em Praga e Veneza, David não desperdiçou um bom hotel de luxo e no Algarve não foi excepção. Hilton Hotel, um dos melhores hotéis de Portugal, de certeza. A Lua-de-mel já tinha acabado, no Hotel também estava o Gustavo, a família de David, o Ruben, a mãe, pai e irmãos do Ruben. David, Ruben e Gustavo divertiam-se na piscina, pareciam crianças juntos. Eu ficava com as mulheres mais velhas e as namoradas do Ruben e do Gustavo, Sara e Cátia enquanto pai do Ruben e do David falam sobre assuntos dos quais as mulheres não acham nada interessantes, carros. Os dias eram passados assim, de manhã na praia, à tarde na piscina. Tínhamos acabado de jantar e fomos para um café que o hotel tinha. David tinha ido pedir ao balcão mais o pai dele. David estava diferente nos últimos tempos, parecia preocupado mas a verdade era que, quando não estava a falar com a mãe do David, que era bem capaz de ser a melhor sogra do mundo, estava a falar com a mãe do Ruben ou as irmãs ou namoradas do Ruben e do Gustavo. Não lhe estava a dar muita atenção mas o David compreendia.
-Aí…
-Que foi rapaz?
-As férias estão acabando…
-É filho, nunca ouvi você assim! Até parece que não voltar a jogar quer à bola.
-Não é isso pai.
-Então filho? Que se passa?
-O Real Madrid entrou em contacto com o Benfica, me querem contratar.
-Que boa novidade filho! Que se passa então? Isso não é bom?
-Em termos profissionais e financeiros, óptimo. Mas, a Catarina…
-A Catarina ama você moço.
-Não duvido pai, mas ela está grávida. Ela de certeza que não quer ir para Espanha agora.
-Filho, já falou com ela?
-Ainda não.
-Então não deve andar assim, ela vai compreender e vai com você. Ela ama mesmo você é por isso que a sua mãe gostou dela.
-A mãe gosta de toda gente.
-A sua mãe não gosta de toda a gente não. Ela não gostou quando você se meteu com aquela rapariga. A actriz…
-Ah, mas isso foi uma parvoíce minha.
-Mas ela não gostou – o pai do David chegou-se mais para perto dele, quase como se fosse contar-lhe um segredo – a mulher ficou mesmo chateada. Meteu-se a gritar em casa “Aquele moço já não tem cabeça! Eu vou falar com ele e vou-lhe puxar bem aquelas orelhas!”.
-Quê?
-É bem verdade. Nem gostou daquela sua outra namorada, a loirinha…
-A Sara?
-Sim, a Sara. Ela era bonitinha até mas a sua mãe não gostou dela. Quando a conheceu à noite foi-me dizer “Esta garota é daquelas que se despem para as revistas, tem mesmo cara disso”.
-Bem, ela não se despiu para a revista mas… Se a relação fosse para a frente não duvido. Acho que a minha sorte foi mesmo o Ruben que me avisou várias vezes e depois eu lá abri os olhos.
-Como assim filho?
-Ela disse-me várias vezes “Chupa-te o dinheiro, ganha importância social e depois vai-se embora.”. Vá lá, eu acordei e graças a Deus. Agora ela anda com um do Sporting. Mas já deve ter rodado toda a equipa, até o roupeiro Paulino! – Os dois deram uma gargalhada que se ouvia da nossa mesa. – Então e o que disse a mãe sobre a Catarina?
-Uma coisa assim “É esta! Sabe cozinhar a rapariga e é bonita. E não quer o dinheiro dele viu? Aí e como ela olhava para ele e é Benfiquista! Eu sempre disse que ele ia casar com uma Benfiquista. E estuda a moça, é tão independente! Eu adorei a moça!”
-Pareceu bom não foi?
-Sim, pareceu. – O empregado chegou e David pediu as bebidas. O seu pai voltou a falar – Mas fala com ela viu? Se não… Ela fica chateada.
-Eu sei pai. Obrigado. – Os dois caminharam para a mesa. David sentou-se a meu lado e o pai do David ao lado da sua filha. As bebidas chegaram pouco tempo depois.
-Uhh… Isso é um daikiri amor?
-Sim, é. Porquê amor?
-Vais-me dar um bocadinho.
-Estás grávida, não podes.
-É só um bocadinho.
-Não podes.
-Só um bocadinho. Vá lá.
-Não.
-Estúpidinho.
-Estúpidinha.
-Não me chamas isso ouviste?
-Já viram o que tenho que aturar?
-Olha… Eu é que tenho de te aturar! És mau para mim.
-Mau? Aí…
-Sim, não é Ré?
-Entre marido e mulher não se mete a colher.
-Óh! Se soubesse ainda não tinha casado contigo para a tua mãe me apoiar.
-A minha mãe não te ia apoiar.
-Como tens tanta certeza?
-Por ser minha mãe!
-Ó. Está bem. – O telemóvel do David toca com uma das piores músicas do mundo “Rebolation”. Era o que dava quando fazia apostas com o Ruben Amorim. Acabava sempre por perde-las.
-Já venho amor, não bebe viu? 
-Mas não podes atender aqui?
-Muito barulho…
-Ok…
David saiu e cheguei-me para a frente. Nem me importei mais com a bebida.
-Ladislau…
-Sim.
-Que se passa com o David?
-Que se passa? Não sei.
-Ladislau…
-Não sei de nada.
-Ladislau, você sabe? – Dizia a Regina ao Ladislau.
-Não sei! Mas o que havia de se passar?
-Ele nunca saí da mesa para falar com ao telemóvel. Nunca – disse perante a família e todos acenaram num ar de concordar com a situação – Ele conta-nos sempre tudo. Tenho que falar com ele. – Levantei-me mas Ruben agarrou no meu braço.
-Tem calma, ele vai-te contar hoje.
-Mau! Mas tu também já sabes?
-Catarina confias nele?
-Claro que sim, mas não compreendo porque é que ele ainda não me contou.
-Ele vai-te contar mas é complicado.
-Que se passa? Não estou a perceber…
-Catarina, vem comigo. – Disse David com um ar meio abalado. Tinha acabado de chegar.
-Claro, ia ter contigo agora.
David agarrou na minha mão e levou-me para o jardim do hotel que por sinal não era nada pequeno. O jardim fazia ligação à praia e quando chegamos perto da praia David parou e sentou-se na areia. Sentei-me a seu lado, embora com algumas dificuldades pois a barriga não facilitava.
-Que se passa?
-O Benfica teve uma proposta por mim.
-De que clube?
-Real.
-Então, e tu?
-Eu o quê?
-O que queres fazer?
-Não me peças para dizer isso.
-Porquê?
-Porque sabes bem o que quero. Profissionalmente, Real Madrid é muito bom. Financeiramente ainda melhor. Mas sabes que amo o Benfica mas o mais importante não é isso, és tu.
-Eu?
-Sim, tu. Eu não vou para Madrid se tu não vieres comigo.
-É assim…
-Ok…
-Hã?
-Já percebi que você não vem. Se não vens…
-Não, não é nada disso. Temos que pensar bem. Eu estou grávida. Mas posso ir contigo mas quero ter os bebés cá. Mas não te vou proibir de ir para o Madrid. Sei que é um sonho de criança para ti e com muita pena minha, sei que o Benfica não é tão forte como o Real Madrid. É claro que vou contigo mas… As últimas semanas venho para Portugal, não gosto de Espanha e não quero ter lá os meus filhos.
-Eu tenho muito tempo, posso ficar cá mais este ano.
-Vês?
-O quê?
-“Mais este ano”. Tu não queres ficar mais este ano. Se ficares ficar fica, mas tu não queres. Tens outros objectivos. Como qualquer pessoa no mundo.
-Tu sabes que eu não vou aguentar estar longe de ti.
-E tu sabes o mesmo, por isso é que vou contigo. Não te hei-de abandonar, nunca.
-Não quero a tua infelicidade.
-Nem eu a tua, então, vamos para Madrid?
-De certeza que é isso que você quer?
-Só quero a tua felicidade.
-Mas eu sou feliz.
-Mas não completo.
-Claro que sou. Mais que completo. Estou a seu lado, vou ser pai e estou num bom clube.
-David… Tu sabes que é diferente.
-Não é.
-É sim. Tu queres ir para um clube de topo e já tivemos essa conversa. Acho que não vale a pena voltarmos a ter esta conversa.
-Você não vai ser feliz.
-Vou estar a teu lado, para mim isso basta. Agora mudando de assunto, ficaste chateado?
-Por causa do quê?
-De não conseguirmos ver se os bebés são menino ou menina.
-Ah, isso. Claro que fiquei. Irritantes como a mãe.
-Irritantes é?
-Sim. Mas é assim que eu gosto de você.
-Obrigadinha.
-De nada. Tem a certeza que é isto que você quer?
-Isto o quê?
-Acompanhar-me até Madrid.
-Só serei feliz a teu lado, não importa onde desde que estejas comigo.

Chegamos a Lisboa dois dias depois, sentia-me cansada. A barriga continuava a crescer e parecia que nunca mais ia parar de crescer. Sentia-me doente e stressada. Toda a situação do David estava-me a deixar louca. Se queria ir para Madrid? É claro que não mas eu não podia ser egoísta e pensar só em mim. Ou seria ele que estava a ser injusto comigo? Ganhar mais de 75 mil euros ao mês não lhe chegava? 1 milhão ao ano. Durante 13 anos, 13 milhões. O que poderia ele querer mais? Ia ter dois filhos, sentia-me cansada, stressada, impaciente e com 22 anos de idade. A verdade é que começava a ter duvidas de toda a situação. Tinha sido irresponsável. Onde é que eu tinha a cabeça quando decidi casar aos 22 e ficar grávida antes dos 37? Toda a minha visão de mulher do futuro estava a ficar virada do avesso graças a um jogador de futebol. Namorar com o director do Hospital da Luz, casar aos 35, ter filhos aos 37, ser Ministra do Ambiente aos 45, reformar-me aos 55 e viajar pela mundo até esticar o pernil. Eis o meu plano, agora é mais: Namorar aos 21, ficar grávida aos 22, casar aos 22, ter mais filhos até me cansar e o pior de tudo, não puder divorciar-me porque amava o homem com quem acordava todos os dias. E bastava um amo-te pela manhã para todos os meus problemas desaparecerem e concentrar-me em ser feliz a seu lado. Estive com o Ricardo para falar deste mesmo assunto e deparei-me com o meu ex-homem ideal. Aquela com quem eu ia casar aos 35. Ricardo estava a dois passos de ser Director, mas não do hospital da Luz mas sim do Júlio de Matos. Sei que não parece tão bonito, mas continua a ser positivo. O pai dele, que trabalhava lá e era o director ia-se reformar. Restava agora Ricardo que era filho único para seguir o caminho do pai. Por mais incrível que pareça não cheguei a falar com ele. Entreguei-me a seus braços e chorei. Ele sabia o que se passava, não era preciso dizer mais nada. Ele tentou-me acalmar, disse várias vezes que era uma fase menos boa mas eu não estava nada bem e segundo Ricardo o melhor era “partilhar o sentimento com o David”. Mas isso não fazia parte dos meus planos, não queria que o David soubesse disto, sabia como ele iria ficar se soubesse disto. Acabaria por ficar no Benfica. Mas qual é o mal do meu clube? É o melhor clube do mundo! É lindo, tem o símbolo mais lindo, o estádio mais perfeito e era o clube que tinha mais sócios no mundo. O que é que ele queria mais? Ok, o Real Madrid é um grande clube mas só porque tem muito dinheiro. E eu odeio Madrid, ele sabe que eu odeio Madrid. Quer dizer, não só Madrid, toda a Espanha. Espanha, espanhóis e a sua mania insuportável, será que ele já não compreendia isso? Será que ele não era capaz de sofrer um pouco por mim e ficar para sempre no Benfica? Perfeito, agora estava a ser egoísta. David começava a desconfiar, acordava de manhã e já não lhe dizia o habitual “amo-te” mas o que é que ele queria? Que disse-se amo-te todos os dias até o final da nossa vida? A quantidade de saliva que iria gastar. A mãe de David parecia um pouco desiludida, acho que ela tinha percebido logo que eu não estava satisfeita com a situação. Principalmente quando na sexta à noite estávamos todos a jantar e o assunto “Real Madrid” veio à tona e entre elogios ao clube perfeito eu acabei por saltar um elogio irónico, “gosto tanto daquele clube como gosto de azedas, se estivermos a comparar camisolas do Porto e do Madrid posso dizer que a do Porto é linda”. A conversa morreu e toda a gente acabou por se calar, eu levantei-me e fui à casa de banho, David para variar veio atrás de mim mas acabei por gritar bem alto (depois de várias perguntas dele “tens a certeza que estás bem?”) “ESTOU ÓPTIMA”. Eu estava a estragar toda a relação com o homem que amava e não entendia que até estava a fazer mal aos bebés. Acho que precisava de arranjar emprego. Estava farta de estar em casa enfiada a ler livros. Já tinha lido boa parte dos livros de Saramago, voltei a ler “Os Maias” e já tinha lido todos os livros de Nicholas Sparks. Cada livro dele fazia-me chorar, fazia-me chegar ao pé do David e pedir-lhe desculpa pela minha infantilidade dos últimos tempos e que nunca o iria abandonar, que queria que o nosso relacionamento fosse tão bonito como os romances de Sparks. Que se um dia eu morresse, ele mesmo que encontrasse outra pessoa iria referir-se a mim como “a mulher da sua vida”. Nada disso iria acontecer, eu estava a matar-nos e o pior é que sentia duas vidas a crescerem dentro de mim, sentia-me confusa, perdida no escuro e cada dia que passava, com uma corda que ia apertando no pescoço e que não me deixava respirar. Os jornais faziam manchetes sobre o David, o meu telemóvel tocava sem parar. Os jornalistas já tinham feito esperas à nossa casa e eu estava farta, tinha que ser hoje. Já não aguentava mais, era hoje que ia falar com David e explicar o que sentia. Ou era hoje ou nunca. Ele chegou do treino, impressionante como continuava a ir aos treinos… Eu já nem dizia nada, mais valia não ir a nenhum treino se ia voltar a jogar com o símbolo do Benfica no peito. Abri-lhe a porta e ele deu-me um beijo, acariciou a minha barriga e dirigiu-se para o quarto para arrumar a mala.
-David. Precisamos de falar.

“Evite grandes picos de stress”, disse-me o médico. Depois de conseguir sobreviver aos jogos do Benfica, ao meu casamento e a todo o stress que Jonathan tinha posto em mim, o Real Madrid fez-me desmaiar. Agora a conversa do médico já não era “Evite” era “Descanso absoluto nos próximos 5 dias e não pode haver nervosismo.” Ricardo chegou acompanhado por Camila, 24 anos, baixinha e morena. Curso de Engenharia Fisica e nova namorada do Ricardo. Lembrei-me de mim naquela pessoa que era Camila, olhei-a com 4 olhos e desejei nunca a ter conhecido na vida. Estava sentada na cama do Hospital, a meu lado estava David que já dormitava. A Regina e o Ladislau já se tinham ido embora e era a altura ideal para Ricardo chegar, a altura quando podia falar com ele sem qualquer tipo de pudor. Onde ninguém estaria a ouvir.
-O que se passou?
-Desmaiei.
-Desmaias-te? Como assim?
-O médico fala em nervosismo e cansaço.
-E tu?
-E eu?
-Sim, o que se passou?
-Tivemos uma discussão, os ânimos exaltaram-se e eu acabei por ir-me a baixo.
-Nunca te vi assim.
-Assim como?
-Pálida, infeliz.
-Não estou infeliz.
-Estás. E foi por isso que estás aqui. Estás a ficar confusa, estás a perguntar-te porque é que casas-te com David, porque é que estás grávida.
-Então diz-me! Porque é que eu casei-me com ele? Porque raio é que estou grávida?
-Estás a pensar demasiado, a resposta é mais fácil do que tu imaginas.
-Não, não é. É complicado. Rescindi de tudo por causa dele e posso ter perdido tudo.
-Não, não perdes-te. Tu amas ele. É por isso que estás grávida dele, é por isso que te casas-te com ele e é por isso que vais para Madrid, vais chorar durante as duas primeiras semanas e depois vais esquecer tudo, pôr de parte tudo e ser feliz ao lado dele. Porque amas ele, e como o amas, e o vosso amor é algo estrondoso, vais rescindir de ainda mais coisas mas vais ganhar ainda mais. Vais ser mãe, vais ser mulher, vais se dona de casa e vais aparecer nas revistas. Tudo porque amas ele e vais compreender isso, espero é que não seja tarde demais.
Ricardo deu-me um beijo na testa e foi-se embora. Voltei a olhar para David, tinha-se deixado dormir. A verdade é que já estávamos no Hospital há 3 horas, quase quatro e ainda nenhum de nós tinha falado. David limitava-se a agarrar a minha mão e a fazer carícias na minha face, eu tentava não chorar e olhava para ele, para aquele pequeno pedaço do céu. Ele só queria o meu bem e embora a discussão tivesse durado mais de meia hora, as últimas frases do dialogo conseguiam resumir toda a conversa.
“Eu só quero que sejas feliz e se isso implica ir para Madrid eu vou! Mas se queres saber toda esta conversa está-me a chatear! Pudera algumas pessoas ganharem o que tu ganhas ao mês. O Benfica não é suficiente? Tens mesmo que sair?! Diz que sou egoísta mas tu também o estás a ser.
Então pronto, não vamos para Madrid! Não quero-te ver assim.
Mas assim és tu que não estás feliz! Não te quero ver angustiado todos os dias. Se o ano passado já foi o que foi então este ano!
Então não entendo o que você quer! Ou quer ir e eu sou o egoísta ou eu quero ficar e é você a egoísta!
Tu vais para Madrid, eu fico! É isso que eu quero! É o melhor para nós!
Você está a dizer que… Acabou? Não me ama mais?!
Hã? Como podes estar a dizer isso? Como me podes estar acusar de tal coisa?
Não estou acusar ninguém!
Estás a dizer que não te amo quando sabes que é mentira!
Então porque estás a dizer que queres ficar? Vem comigo! Não sou capaz de viver sem ti.
E como é que eu… Aííí!”
O resto já se sabe, desmaio, Hospital da Luz, conversa com Ricardo e momento de reflexão. Várias perguntas assombravam a minha cabeça mas uma coisa é certa, Ricardo tinha razão. Eu amo o David, muito. Mais do que qualquer outra pessoa no mundo por isso tinha que ir com ele, deixar tudo e ir com ele para Madrid. Pode não ser o meu sonho, mas é ainda melhor. Fechei os olhos e dormitei. Amanhã o médico iria tentar ver o sexo dos bebés.

-Parabéns, vocês são país de uma menina e de um menino!
Senti um calor dentro de mim, sentia-me bem, feliz, concretizada. Era maravilhoso ser mãe! Soltei um sorriso de orelha a orelha, olhei para David e também ele sorria. O sorriso parou, a tristeza voltou e lembrei-me do que vinha a seguir, mais uma conversa sobre a mudança. De manhã, David contou-me que queria ficar a meu lado e que eu era a pessoa mais importante da vida dele. Senti-me… Tão complicado explicar. Como se o mundo tivesse caído a meus pés. Aquelas palavras vinham mesmo do coração, era o que ele sentia. Ele era capaz de ficar, não por causa dos adeptos, não por causa dos bebés mas sim por minha causa.
“Não, eu quero ir contigo para Madrid. Quero-te ver a jogar naquele grande estádio e quero-te ver a ganhar a Champions.”. Sorri, um sorriso que não era feliz mas um sorriso que ia fazer alguém feliz. David sorriu mas fomos interrompidos pelo médico. Sei o que ia dizer a seguir, “não quero ir se você não é feliz”. Essa conversa ficava-me na cabeça e nem mesmo com a melhor novidade do mundo saía-me da cabeça.
-Os bebés fazem amanhã 5 meses. Parabéns, só faltam 4.
-E nós fazemos 1 mês de casados.
-Hã? – Não estava  a ouvir o que estavam a dizer. Estava mais concentrada na conversa que íamos ter a seguir.
-O médico estava a dizer que os bebés fazem 5 meses amanhã e eu referi que nós fazíamos um mês.
-Sim, verdade. Desculpe, quando me pode dar a alta?
Três horas e meia depois e já estávamos em casa. A minha mãe atrasou um pouco as coisas. Preocupação de mãe tinha que ver se a filha estava bem e claro, ralhar com David. A casa estava vazia, mas as recordações enchiam a casa. As brincadeiras parvas, o acordar de manhã, o adormecer à noite. Os jogos de PS e de futebol que se viam naquela casa, a comida e discussões saudáveis. O amor, o sofrimento e a pancada que houve ali, recordações que me faziam pensar que éramos fortes e que nos amávamos, muito. David levou-me devagar até a cama, embora não tivesse nenhum problema de saúde o médico falou em descanso e pouco nervosismo. Deu-me um beijo na testa e saiu do quarto.
-Merda. David! Onde vais?
-Vou arranjar um chá para você.
-Não quero chá nenhum, vem cá. Preciso de ti.
-Há quanto tempo eu não ouvia isso e não sabe da necessidade que tenho de ouvir isso.
-Eu amo-te. Se tiveste dúvidas nisso..
-Nunca tive. Tive medo de te perder.
-Nunca me vais perder. Estarei sempre aqui é por isso que vamos para Madrid.
-Você quer mesmo isso?
-Quero. Só sou feliz a teu lado.  
-O Ricardo me ligou ontem.
-O que é que ele te disse?
-Para não desistir de ti.
-Ias?
-Nunca. Quero estar contigo para sempre. Só Deus nos irá separar.
-Sabes o que acho? Que mudei. Que mudei e que sou daquelas raparigas fúteis.
-Não. Nada disso.
-Eu discuti contigo sobre irmos para Madrid. A antiga Catarina tinha dito que queria ir, que ia atrás do seu amor e que só era feliz ao lado do seu grande amor.
-A Catarina de hoje não está diferente, está mais responsável, mais adulta, mais mulher. Agora já não pensa só no seu grande amor como também pensa nos seu filhos. E agora, a antiga Catarina estaria possivelmente a falar dos nomes dos bebés mas está a falar da mudança para Madrid. Você ainda acha que eu sou eu seu grande amor mesmo depois de eu ter levado você para o hospital e quase que perdeu os bebés.
David deixar cair uma lágrima e põe o seu braço por cima na minha barriga e encosta a cabeça. Fica a olhar para a varanda.
-Que melodramático David. Tu irás ser sempre a pessoa que mais amo no mundo, acho que nem mesmo os meus filhos serão mais importantes que tu. E sabes, precisamos de sair desta casa.
-Porquê?
-Odeio a vista. Odeio o estádio de Alvalade e já estou a ficar farta de andar a carregar coisas pelo elevador!
-Hã?
-Para além disso, sabes que odeio elevadores. Desde que fiquei trancada num as minhas relações com elevadores já não foram as mesmas. Odeio mesmo!! Preciso de uma casa igual a da tua mãe!
-Vivenda?
-Sim. Mas sem piscina. Dá-me arrepios só de pensar que algum deles pode saltar lá para dentro.
-E já agora quer um cão também.
-Não! Os cães só trazem parasitas e doenças. Quero uma casa que se possa viver!
Ambos sorrimos, amava ver o David com aquele sorriso, ele estava feliz e isso fazia-me feliz.
-Só falta a minha assinatura.
-E quando é que tens de ir?
-Depois vem os testes mas aí pode ficar cá e depois… Tenho 10 dias de férias.
-Mais?
-Sim… É bom não é?
-Sim, é bom. Ao menos tenho tempo para fazer mudanças.
-Queres viver onde? Onde o Cristiano Ronaldo vive?
-Isso até era boa ideia, não é onde o Pepe e o Simão vivem?
-Sim. Mas o Simão vem este ano para o  Benfica e ele vai alugar a casa
-E é um quê?
-É um T3, ele não quer vender pois diz que é sempre bom ter lá casa.
-David…
-Sim…
-Não te ocorre nada?
-O quê?
-Então vamos lá a ver, o Simão vai alugar uma casa, vivenda, vizinhança portuguesa.
-E brasileira, o Kaká e o Marcelo também estão a viver lá.
-Posso continuar?
-Sim.
-Vizinhança Portuguesa e Brasileira e nós precisamos de uma casa.
-Sim…
-Ó David, estás bem? Pensa!
-Oi?
-Ó David liga ao Simão para ficares com a casa dele!
-Ah.. Sim…
-David…
-Sim…
-Tira o telemóvel e fala com ele.
-Sim sim…
-David, tu já falaste com ele não foi?
-Ah… É um T3, não tem piscina e fica ao lado da casa do Pepe e perto da casa do Ronaldo. Tem 4 casas de banho e uma cozinha enorme! Ele diz que não precisa de nada do que está lá e que basta eu levar roupa e outros bens essenciais.
-Aí… Vamos mudar de assunto que eu não me posso irritar.
-Ok. Quer falar do quê?
-Nomes.
-Catarina.
-Já falamos sobre isso. Maria ou Inês. Para os rapazes, Pedro ou Gabriel.
-Maria e Pedro.
-Maria e Gabriel.
-Bem, ao menos a rapariga foi fácil. Pedro.
-Estou grávida não posso discutir. Gabriel.
-Vamos a votos.
-Eu voto Gabriel.
-Uau, votos com duas pessoas. Brilhante.
-Podias votar no meu.
-Olha a graça da moça hein? Vou ligar para a minha mãe.
-E eu para a minha.
Ligamos ambos para as nossas mães e perguntamos quais eram os nomes que preferiam.
-O que disse?
-Primeiro tu.
-Os dois ao mesmo tempo.
-Ok. Um, dois, três.
-Pedro! – disse a David.
-Gabriel.
-MERDA!
-David!
-Saiu!
-Liga ao Ruben e ao Gustavo.
-Você liga ao Gustavo eu ligo ao Ruben.
-Ok.

-Então?
-Pedro, foi o que o Gustavo me disse.
-GANHEI! O RUBEN DISSE PEDRO!
-Merda.
-Então? Não era proibido?
-Estou grávida, não me posso irritar.

“Quero-te mostrar uma coisa.”
Aquilo era tudo menos uma coisa, era a nossa casa. Um apartamento T3 lindo! Continuava-mos em Telheiras mas David tinha feito uma surpresa. Comprou uma casa em Portugal e isso deixava-me felicíssima! A cozinha em vermelho e branco, a sala era branca e tinha fotos nossas e das nossas famílias na parede. Havia um quarto com as paredes metade cor-de-rosa e metade azul com dois berços redondos. Era lindo, tinha peluches, os cortinados brancos e o candeeiro também branco. Apenas perfeito, meio boquiaberta David mostrou-me o escritório que era tudo menos um escritório. “Eu depois mudo, prometo. Mas agora eles ainda são pequeninos, não precisam de um quarto para cada um”. O “escritório” tinha uma mesa de snooker, um sofá preto e uma televisão enorme com um playstation. “Para quando viermos cá eu também necessito do meu sitio de descanso não acha?” dizia David enquanto eu não parava de rir. Ele já tinha aquela sala na cabeça à muito tempo, uma pena que agora não iria passar muito tempo lá. A suite ficou para último, quando entrei nem queria acreditar, uma cama de casa a sério, não a tradicional cama de solteirão mas uma cama de casado, duas mesinhas de cabeceira e um armário, no quarto! Quando me voltei para trás e olhei para o papel parede fiquei ainda mais espantada. O papel parede eram cinco imagens nossas, postas por ordem. Uma dos primeiros dias que tivemos juntos até a mais recente que tinha sido tirada no dia do nosso casamento. Não havia palavras para descrever aquele momento, estava tudo tão perfeito, tudo tão… nosso. Era a casa dos meus sonhos, perfeita apenas. David conhecia-me e apercebi-me que casar com ele e estar grávida dele não era um erro mas sim a melhor coisa que alguma vez se tinha passado na minha vida. Quando chegamos ao nosso pequeno T1, comecei arrumar as coisas estava na altura de partirmos para Espanha. David já tinha assinado e já tinha feito os exames médicos. A pior parte foi a despedida, David deu uma entrevista para o jornal A Bola onde falou do que sentia pelo clube e da vontade que tinha em voltar, que a ida para o Real era apenas uma nova experiência mas que ia guardar para sempre o Benfica no seu coração e jamais o iria esquecer. Até para reforçar a ideia disse “Para além disso, a minha mulher é Benfiquista ferranha. Ela não queria sair de Portugal por causa do Benfica sabia? Por isso hei-de voltar. Ela diz que ama ver-me jogar com a camisola mais linda do mundo.” Como fica uma mulher ao ler isto? Feliz e orgulhosa.
Última mala, último dia em Portugal. Despedidas já feitas, casa fechada e avião daqui a três horas. O que sentia? Vontade de desfazer a mala e ficar em Portugal mas não podia pensar só em mim, agora não havia volta a dar.
-Pronta? Tenho que deixar as chaves ainda com o Rui.
-Sim. Claro.
-Parece tristonha.
-Já falamos sobre isso, sabes as razões.
-Se quiser, você…
-David… Por favor. Nem vamos falar sobre isso.
-Tudo bem.
-Já te avisaram à cerca da apresentação?
-Dia 23.
-Que infeliz coincidência.
-Não seja assim não.
-Quando te casas-te comigo sabias que tinhas que levar o pacote inteiro e não só uma parte.
-Claro, e eu gosto do pacote inteiro. É sincero e directo comigo. Nada de meias-palavras.
-Ainda bem que pensas assim porque também não ia mudar.
Interrompidos pelo som do telemóvel, mais uma mensagem para David. Nos últimos dias tinha sido um frenesim. Chamadas e mensagens a felicitar David pelo contrato com o Real Madrid. Fiquei surpreendida com a cara de David, sempre que recebia uma mensagem sorria e contava-me o que lá dizia, já desta vez as sobrancelhas subiam, mostrando todas as rugas da testa.
-Que foi?
-Nada.
-Que diz a mensagem?
-nada de especial.
-David, por amor de Deus! Conta-me.
-A Luísa a felicitar-me.
-Mas essa gaja é doente, só pode!
-Tem calma.
-Tem calma?! Como posso ter calma? E como é que ela arranjou o teu número? Eu não entendo isto. Juro que não entendo!
-Não sei, mas respira. Não se esqueça que…
-Que estou grávida eu sei! Mas isto deixa-me super chateada! Impressionante!
-Deixa isso para lá, agora, falando de coisas boas. Estamos quase a fazer um ano.
-Não, não estamos. Estamos a fazer um ano desde que nos conhecemos e nem foi conhecer. Foi eu ir contra o Ruben.
-Foi engraçado. Se não fosse a minha apatia nesse dia eu juro que tinha-me mijado a rir. Rabo no chão. Lindo.
-Que gracinha! Só te lembras de mim no chão?
-Não, lembro-me de ver-te no chão a sorrir e reparar no quanto linda tu eras.
-Obrigada por dizeres que eu “era bonita”.
-Continuas a ser.
-Bem, vamos embora? Já estou farta de estar aqui.
-Vamos, vamos.
David agarrou na última mala e eu fechei as portas. Agora começava uma nova aventura.

publicado por acordosteusolhos às 22:50

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